As conversas vazadas pelo The Intercept Brasil revelam que o então juiz Sérgio Moro não tinha isenção necessária para julgar e adotou postura ostensiva em favor da acusação, sob comando do procurador Deltan Dallagnol. Mais do que a discussão da prisão de Lula e da eleição de 2018, que parece claramente ter sofrido influência direta das interferências da Lava Jato, o que está em jogo é o respeito à Constituição brasileira.
Depois do ocorrido, a OAB emitiu uma nota recomendando que Sérgio Moro e Dallagnol se afastem dos cargos “para que as investigações corram sem qualquer suspeita”.
Para o Sindicato dos Bancários de Bauru e Região, o ministro de Bolsonaro e o procurador do Ministério Público deveriam, além de deixar seus cargos, entregar os seus celulares para perícias, para que assim seja comprovada a tese deles de que foram hackeados. O aplicativo Telegram, que foi o palco das conversas, nega que o sistema foi hackeado.
A Constituição brasileira estabelece o sistema acusatório no processo penal, no qual as figuras do acusador e do julgador não podem se misturar. Nesse modelo, cabe ao juiz analisar de maneira imparcial as alegações de acusação e defesa, sem interesse em qual será o resultado do processo.
Mas, as conversas entre Moro e Dallagnol demonstram que o atual ministro se intrometeu no trabalho do Ministério Público. Sempre houve suspeita de Moro e Dallagnol atuarem juntos na Lava Jato, mas não havia provas explícitas dessa atuação conjunta até agora.
No trecho ao lado, o juiz Moro debocha da defesa de Lula para o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, o que demonstra a parcialidade do julgador. Pior, ao sugerir que soltassem uma nota esclarecendo as contradições do depoimento de Lula, Moro mostrou seu papel de verdadeiro dono da Lava Jato e não de um simples juiz. A ideia foi acatada por Dallagnol e demais procuradores que pediram para que seus assessores monitorassem a repercussão positiva e negativa junto à população e imprensa e assim definir os próximos passos da ação.
Em março de 2016, antes do impeachment da Dilma, uma conversa gravada de forma oculta que envolveu o então ministro do Planejamento, Romero Jucá (MDB), entrou para história. Nela, Jucá clamava para Temer promover um pacto nacional: “com o Supremo, com tudo”.
Os diálogos interceptados pouco depois entre Dallagnol e Moro demonstram que a Lava Jato, apesar de o tempo todo se autodenominar apartidária, tinha fins políticos. Isso pode ser comprovado quando tentam impedir uma entrevista de Lula antes da eleição de 2018, porque poderia beneficiar o então candidato do PT, Fernando Haddad.
Parte do Judiciário também se encontrava envolvida politicamente na parcialidade da Lava Jato (veja ao lado). Em um dos trechos do vazamento, Dallagnol afirma que teve uma conversa “reservada” com o ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux. Na época, Moro tinha sido duramente criticado pelo ministro Teori Zavascki, que questionou sua imparcialidade após a divulgação ilegal do áudio da conversa entre Dilma e Lula.
Dallagnol revelou ainda que, segundo Fux, os procuradores da Lava Jato podiam contar com ele o que fosse preciso. Ou seja, segundo Fux, na queda de braço entre um juiz de primeira instância que cometeu ilegalidade e um juiz da suprema corte, o vencedor seria o primeiro. Ao saber da conversa, Moro comemorou “In Fux we trust” (no Fux a gente confia).
O Sindicato aguarda mais revelações, como foi prometido pelo The Intercept Brasil, mas, ao que tudo indica, atropelos e ilegalidades não devem fazer parte de nenhuma Justiça, independentemente de quem sejam as partes envolvidas.